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1 de janeiro de 2011

ADEMIR DE MENEZES, O QUEIXADA


Por Moacir Japiassu
Num domingo de 1955 houve um Vasco e Flamengo que só permanece vivo na memória de um único homem. Ele recorda o instante em que Pinga lhe esticou um passe longo e perfeito, como aquele dos velhos tempos, mas a arrancada para o gol, antes inevitável, morreu de repente nos pés de um zagueiro medíocre chamado Pavão. Ninguém percebeu, mas, a partir daquele momento, o futebol brasileiro começava a perder o maior de seus artilheiros, o homem que, até aquela tarde de domingo, jamais havia chegado atrasado a um encontro com a bola.

Aos 32 anos, ele, Ademir Marques de Menezes, sentiu pela primeira vez que a velocidade estava no fim. O fôlego era o mesmo do antigo menino das peladas na praia do Pina, no Recife, mas o joelho inchava a cada rush, na lembrança de uma operação malsucedida. Tinha sido coisa feita por um tal de Martinez, beque ordinário, que reagiu a pontapés quando O Artilheiro passou em direção às redes, num Brasil e Uruguai pelo Sul-Americano de 1953, em Lima. No final daquele jogo, Ademir tinha uma irreversível lesão nos meniscos do joelho direito.

Operou no ano seguinte, insistiu nos treinamentos para a volta. Era comum vê-lo sozinho no estádio de São Januário, correndo atrás de uma bola imaginária, forçando as pernas numa arrancada que, durante anos, deixou defesas inteiras num desespero profundo. Não houve treino, não houve nada que desse jeito no joelho endurecido, e Ademir Menezes passou a contar os dias que restavam. Não era mais um jogador de noventa minutos, foi adiando a despedida até que o Vasco enfrentou o Corinthians num amistoso em 1956, no Maracanã. O técnico Martim Francisco escalou-o no lugar de Pinga. Foi tão de repente, foi tão surpreendente que ele até agradeceu: "Obrigado, seu Martim; é uma ótima oportunidade porque eu acho que vou abandonar o futebol hoje".

Fim do primeiro tempo, 3 a 1 para o Corinthians, ele botou a cabeça na porta do vestiário: "Vou continuar, seu Martim?". O técnico garantiu: "Você vai até o fim". E Ademir Marques de Menezes, de futebol fascinante e generoso, esqueceu as dores do joelho que inchava, maltratou-o no derradeiro esforço e marcou os dois últimos gols de sua vida. Encantado, o Maracanã imaginou estar assistindo ao renascer de um grande craque, mas Ademir manteve a palavra e nunca mais vestiu a camisa do Vasco.

A jogada fatal. Nem Pelé...
O futebol nunca mais foi o mesmo depois dessa renúncia, porque nem Pelé, que era a soma das mais requintadas virtudes de todos os craques, conseguiu reviver em toda a plenitude a jogada mortal de Ademir. Era impossível contê-lo e toda a equipe trabalhava para que, de instante a instante, faiscasse o gênio na louca perseguição de uma bola passada com veneno.
Durante quinze anos, no Vasco, no Fluminense e na Seleção Brasileira, técnicos e especialistas na arte do passe longo trabalhavam para a glória maior de Ademir. Mestres na criação de espaços nos campos de futebol, como Zizinho, Danilo, Jair Rosa Pinto, Bauer, sempre souberam que a distância entre o bico de suas chuteiras e o gol adversário só era encurtada pelo admirável esforço de Ademir, esse a quem os zagueiros devotavam justo e compreensível pavor. Era uma busca interminável pela perfeição com a qual Ademir sonhava desde menino, quando viu, no campo do América, no Recife, a Seleção Brasileira que jogaria a Copa do Mundo de 1938 na França.

Foi um sacrifício a primeira visão daquele time de gigantes; os meninos chegaram de manhã bem cedo e pularam o muro, fascinados pela aventura proibida. Ademir tinha 15 anos. Lá embaixo, no campo, o "Homem de Borracha", Leônidas; Tim, "El Peón"; Romeu, o "Homem-equipe", Domingos da Guia, "o Divino Mestre". Vê-los batendo bola era, para os meninos do Nordeste, um passeio nas asas do Pavão Misterioso dos folhetos de cordel. Ali havia a malícia e a sabedoria dos heróis das feiras do Recife – João Grilo, Canção de Fogo. Aqueles homens não existiam.


Depois daquele dia inesquecível Ademir passou a treinar com mais afinco nos juvenis do Sport Clube Recife; o pai, o "coronel" Menezes, diretor de Remo do Sport, ia ver o filho adolescente, muito magro, o rosto comprido, a fazer misérias no campo de futebol. Levava jeito, era o melhor dos cinco irmãos, sem dúvida. Ademar, o mais velho, não ligava muito para a bola, nem Ademílson e muito menos Ademílton; talvez o menor, Ademis, seguisse o exemplo de Ademir, para desconsolo da mãe, dona Odília, e das irmãs Odemilda e Odemise; as mulheres da casa haviam traçado o destino dos meninos, todos formados, de canudo debaixo do braço. Ademir iria trocar essa história de bola por um diploma de médico ou dentista, Deus é grande; e Ademis era pequeno demais para desobedecer. O "coronel" Menezes não dizia nada; ajeitava o chapéu e saía para ver o seu menino correr atrás da bola. "Vai, Queixada!", gritava alguém, e Ademir empreendia o rush fulminante. Não havia pai no mundo que reprovasse uma coisa tão bonita. Antônio Rodrigues de Menezes não era, contudo, o único "coronel" a ver os treinos dos meninos. De vez em quando o todo-poderoso Carlos Viola, o "coronel’ do futebol, técnico respeitadíssimo, uruguaio que sabia das coisas, espichava os olhos para os infanto-juvenis. Aquele do queixo grande, com um pouco de orientação, poderia, mais dia menos dia, fazer um teste no time de cima.

Essa experiência, porém, não chegou a ser feita por Carlos Viola mas pelo técnico que o sucedeu, outro uruguaio, Ricardo Diez. Ademir tinha 16 anos, quase 17, quando Ricardo escalouo pela primeira vez e o garoto movimentou-se, endiabrado, no meio dos titulares. O "coronel" Menezes assustou-se um pouco. Ver o filho com os infanto-juvenis era uma coisa; aceitá-lo entre profissionais era outra. Jogador de futebol era como cantor de rádio, aquilo não era profissão para rapazes de boa família. Dona Odília ameaçou escândalo: queria jogar bola? Pois que estudasse ao mesmo tempo, para ser gente algum dia. E Ademir preparou-se para ser médico ou dentista.
Ricardo Diez achou que o Sport, campeão pernambucano de 1941, precisava ser visto no Sul do País. Era um belo time: Manuelzinho, Salvador e Zago; Bitota, Furlan e Bibi; Djalma, Ademir, Pirombá, Magri e Valfredo. O esquema era simples – quem estivesse com a bola deveria entrega-la ao argentino Magri; este batia de efeito, de 40, 50 metros na direção da meia-direita, de onde partia Ademir Marques de Menezes. Nenhum zagueiro alcançava a bola primeiro do que ele, e Ademir corria com ela junto aos pés, protegendo-a dos inimigos, até as portas da área, cara a cara com o desespero do goleiro. O chute partia perfeito, violentíssimo, com a perna esquerda ou a direita. E ele não tomava distância da bola para aumentar a potência do chute; na corrida, disparava o golpe mortal e tomava a direção das arquibancadas para receber a aclamação da torcida.

Gols. E o Rio, alucinado.

Foi assim, Magri para Ademir, Ademir para o gol, que o Sport impressionou o Sul do país na excursão de 1941. Não perdeu para ninguém: ganhou do Internacional de Porto Alegre (que tinha, entre outros craques, Tesourinha e Noronha), empatou com o Grêmio; em São Paulo, ganhou do Juventus, um bom time na época, e empatou com o Palmeiras; no Rio, derrubou o Flamengo e o Vasco, em São Januário. O Sport enfiou cinco gols no Vasco, Ademir marcou três e os grandes clubes do Rio enlouqueceram. O primeiro convite partiu do Fluminense de Pedro Amorim, Romeu, Russo, Tim e Hércules, alguns gigantes que Ademir vira treinar em 1938, ao lado de Leônidas.

O técnico do Fluminense, o uruguaio Ondino Viera, viu o jogo contra o Vasco e sentiu a presença do grande craque. Aquele menino ao lado de Romeu, de Tim...

O Fluminense levou Ademir para as Laranjeiras, mas o Vasco armou um esquema para sequestrá-lo e o plano foi cumprido com perfeição pelo craque Figliola uruguaio que mais tarde jogou no Palmeiras) e o ex-jogador Roque Calocero. Tarde da noite encostaram o carro ao lado da concentração; Figliola foi buscar Ademir, prometendo-lhe glórias sem fim; Calocero ficou esperando.

Em menos de meia hora eles estavam com o craque no rumo de São Januário. Ademir exigiu o prometido: passe estipulado em 35 contos, depois de dois anos de contrato, ordenado de 50 mil réis por mês e luvas de 40 contos, as primeiras pagas no Brasil a um jogador de futebol. Faltava a transferência da matrícula da Faculdade de Medicina, do Recife para o Distrito Federal. Era coisa impossível pelas leis da época, mas o presidente do Vasco chamava-se Cyro Aranha, irmão de Oswaldo Aranha, ministro do Estado Novo. Não poderia existir pistolão maior e Ademir foi matriculado numa faculdade do Estado do Rio, onde "estudou" durante dois anos, pegando a barca para Niterói uma vez por mês. O negócio dele era futebol; a faculdade servia para iludir dona Odília.
Ademir foi morar em São Januário, o mais tumultuado ambiente entre os grandes clubes do Rio. O Vasco não ganhava de ninguém há anos, o último título fora conquistado em 1936; em 29 de dezembro de 37, depois de uma goleada humilhante em cima do modesto Andaraí, no estádio de Álvaro Chaves, o crioulo Arubinha, desesperado pelo massacre imposto por uma equipe de craques que prometera ganhar de pouco e não cumprira (o Vasco marcou doze gols), ajoelhou-se no lamaçal do meio do campo e ergueu as mãos para o céu: "Se há um Deus, que o Vasco passe doze anos sem ser campeão", praguejou Arubinha, e o Vasco mergulhou na mais negra desgraça. Foi entre malditos que veio crescer e se multiplicar o gênio de Ademir Marques de Menezes.

O Vasco da Gama não ganhou apenas um excepcional jogador de futebol, convém esclarecer. Ademir era ídolo em Pernambuco, um ídolo no Nordeste, e toda a região, paupérrima, abandonada pelos poderes públicos, ganhou um motivo de orgulho. Ademir, um nordestino, um pau-de-arara, brilhava no futebol do Sul. Legiões de nordestinos passaram a torcer pelo Vasco de Ademir, os meninos nasciam e recebiam o nome de Ademir.

Aos poucos o Vasco foi reencontrando o seu lugar entre os grandes e o técnico Ondino Viera, que havia deixado as Laranjeiras por São Januário, montava pacientemente o "Expresso da Vitória". Em 1943 veio do Madureira um trio infernal, apelidado de Os Três Patetas (Lelé, Isaías e Jair) e o Vasco armou um ataque poderoso: Djalma, aquele malicioso ponta do Sport, Lelé, Isaías, Jair e Ademir. Velocíssimo, com o domínio completo da perna esquerda, Ademir saiu da meia-direita para ser um ponta brilhante. Em 1944 o Vasco perdeu o jogo final para o Flamengo, mas era o favorito; em 45, finalmente, Ademir botou no peito a faixa de campeão. Campeão invicto.

Ademir teria sido a grande arma na luta pelo bicampeonato carioca. Ondino Viera admirava sua vivacidade, conversava muito com ele, várias vezes almoçaram juntos e o "prato de resistência" eram os segredos do futebol. Ondino lapidava o craque, mas não pôde avaliar o resultado de seu trabalho porque o Vasco, num instante de insanidade, não pareceu interessado na renovação do contrato de Ademir, apesar do título de campeão carioca e da grande atuação do seu jogador no Sul-Americano do Chile, integrando um ataque irresistível, o melhor de toda a história do futebol brasileiro: Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair e Ademir. O Vasco soltou a sua estrela, que num rush doloroso para a torcida do País inteiro, foi parar nas Laranjeiras. Gentil Cardoso, técnico do Fluminense, dissera a seus diretores: "Dêem-me Ademir que eu lhes darei o Campeonato", e recebeu o presente que o Vasco fez questão de embrulhar.

Heresia

Não há vascaíno da velha guarda que não recorde a estreia de Ademir com a camisa do Fluminense. Foi em São Januário, no início de 1946, contra o próprio Vasco. Quando Ademir entrou em campo, a torcida despeitada ensaiou a vaia inexplicável; gritavam das gerais: "Papai! Papai!", numa alusão ao "coronel" Menezes, responsável pelos contratos do filho. No meio da gritaria e do deboche o Fluminense ganhou de 2 a 0 e Ademir marcou o segundo gol, driblando toda a defesa e até o goleiro Barbosa. Houve um silêncio de morte em São Januário e nos dias seguintes os "cardeais" do Vasco estavam batendo na porta do "coronel" Menezes; dariam tudo, qualquer coisa, para terem Ademir de volta. O velho disse que não, era homem de palavra; o filho tinha contrato, iria cumprir de qualquer maneira. Mas ali mesmo ficou acertada, com dois anos de antecedência, a volta de Ademir ao Vasco.

A ida de Ademir para o Fluminense desgostou a torcida e o próprio Ondino Viera, que deixou São Januário; o Vasco chamou Flávio Costa, um vencedor, tricampeão (42-43-44) pelo Flamengo, mas o time chegou em sexto lugar no Campeonato de 46. O campeão, conforme Gentil Cardoso havia prometido, era o Fluminense – e supercampeão, numa decisão com Flamengo, Botafogo e América.

O título de supercampeão pelo Fluminense encheu de glória a carreira de Ademir, mas 1946 lhe reservou outra alegria, quando a Seleção Brasileira foi disputar o Sul-Americano de Buenos Aires. Perdemos a final para os argentinos, é verdade, no meio de uma guerra no estádio do River Plate, mas Ademir saiu com o nome feito, ao lado de Heleno de Freitas e de um veterano craque do São Paulo, seu primeiro modelo de perfeição. Era Leônidas, integrante daquela equipe admirável, lado a lado com o menino pernambucano que havia saltado muros para vê-lo treinar em 38. Ademir jamais esqueceu a troca de passes com o ídolo da infância; era a certeza de que havia vencido.

E até as táticas mudaram

Em 1949, com Ademir já de volta ao Vasco, Flávio Costa teve a premonição da vitória. Ademir, jogando na meia (esquerda ou direita, era indiferente para ele), inventara uma nova posição no futebol – a ponta-de-lança. 

O sistema de jogo utilizado por todos os times era o WM inglês, com quatro homens no meio-campo formando o que se chamou de "quadrado mágico"; mas, como Ademir era um desses homens e não poderia ser mantido lá atrás, sob pena de se cometer grave crime de lesa-futebol, Flávio Costa "entortou" o quadrado mágico e o Vasco passou a jogar com apenas três homens no meio-campo; o ataque, em compensação, ganhou um quarto homem, o ponta-de-lança Ademir Marques de Menezes.

Os especialistas chamaram esse WM mal desenhado de "Diagonal" e Ademir, com a velocidade antiga e a nova disposição tática, foi desequilibrando as partidas. O Vasco jogava com Eli, Danilo e Maneca no meio-campo e, no ataque, Nestor, Ademir, Ipojucan e Chico. Foi tão importante a função de Ademir, tantos gols ele fez varando defesas desprevenidas (havia sempre quatro atacantes contra três zagueiros), que os adversários foram obrigados a recuar um médio para tapar o buraco. E nasceu, assim, a figura do quarto-zagueiro, origem do sistema que o mundo conheceu e adotou mais tarde sob a denominação de 4-2-4.

O Vasco foi campeão invicto em 1949 (repetindo 45 e 47). Ademir era o maior artilheiro da equipe e, além de encantar todo o Brasil, havia assombrado o Continente nos campeonatos Sul-Americanos e no Torneio dos Campeões que o Vasco ganhou no Chile em 1948. Para um craque do seu nível, faltava conquistar o resto do mundo. O estádio do Maracanã estava sendo construído para que essa glória suprema tivesse um cenário à altura. Ademir preparou-se para a imortalidade.

Aquele era, sem dúvida, o melhor time do mundo e os adversários foram caindo, um a um. Houve um ligeiro tropeço em São Paulo, 2 a 2 contra os suíços, mas os outros não resistiram à arte dos gigantes do futebol brasileiro: 4 a 0 no México, 2 a 0 na Iugoslávia, 7 a 1 na Suécia, 6 a 1 na "fúria" espanhola, com 200 mil pessoas a cantar "Touradas em Madri". Faltava o Uruguai e os craques, campeões por antecipação, deixaram a calma concentração da Barra da Tijuca, uma casa com piscina que pertencia a um dirigente do Botafogo, Armando Barcelos; Flávio Costa, candidato a vereador, foi convencido a transferir os campeões para São Januário no sábado, 15 de julho de 1950. E começou a festa. Ganharam abraços, presentes, faixas para enfeitar o peito; a Companhia Antarctica Paulista entregou a cada jogador um cheque de 10 mil cruzeiros em troca de uma foto ao lado da cerveja Faixa Azul. São Januário enlouqueceu. 

Na manhã do jogo, 16 de julho, a Rádio Continental, na voz poderosa de Oduvaldo Cozzi, já transmitia da concentração antes das sete horas. O carnaval da vitória levou os campeões ao estádio, naquele tempo o jogo começava mais cedo. Ademir recorda hoje que não se iludiu com tanta festa; tinha certeza da vitória, mas iria ser difícil. Se o jogo fosse contra um europeu... mas sul-americano segurava, batia, era desleal.

O prefeito Mendes de Morais fora pessoalmente ao vestiário pedir lisura. Os uruguaios, certos da derrota humilhante, aproveitariam qualquer pretexto para tirar o time de campo – e estava manchada a conquista brasileira, o Maracanã construído para ser enxovalhado. Os campeões escutaram os conselhos; Flávio Costa repetiu as recomendações. "Você, Bigode, cuidado com a violência senão o juiz expulsa!". Expulso numa final da Copa! Bigode não era louco de botar tudo a perder. Duzentas mil pessoas não mereciam semelhante vexame.

Ademir não recebeu muitas bolas no primeiro tempo. Danilo estava um pouco nervoso, Jair meio lento e a defesa uruguaia não deixava passar ninguém, de jeito nenhum, com Tejera e Matias Gonzales metendo o pé até no vento. Primeiro tempo, 0 a 0. No início do segundo tempo, Friaça fez 1 a 0 para o Brasil e Ademir pensou: "Agora eles vão atacar e a gente enfia mais uns três". E os uruguaios atacaram. Bola de Obdúlio Varella para Gigghia. Cadê Bigode? Bigode cercava, se encolhia todo, recuava, recuava. Gigghia chegou à linha de fundo, cruzou, Schiaffino tocou de leve – 1 a 1. O Maracanã ficou calado de repente, mas Ademir não teve medo algum. Havia tempo até para uma goleada e o empate dava o título ao Brasil. Os uruguaios tinham de atacar e o segredo era alguém (Danilo, Bauer) esticar o passe para o rush famoso e mortal. E os uruguaios atacaram. Bola de Obdúlio Varella para Gigghia. Cadê Bigode? O goleiro Barbosa preparou-se para a repetição da jogada, Juvenal repetiu o erro e não deu cobertura ao companheiro acuado pelo ponta. Dentro da área, deslocando-se, Schiaffino esperava. Foi quando Gigghia cortou para a direita e chutou. Barbosa, que havia dado um passo à frente, pulou para trás e tocou a bola com a mão esquerda. Lá do meio do campo Ademir viu a rede balançar, Gigghia abrir os braços na comemoração do gol.

Eram 32 minutos do segundo tempo, faltavam 13. Era só empatar e Ademir sentiu o coração bater mais depressa. Era preciso correr, marcar o gol de empate, o gol do Campeonato do Mundo, e ele correu como se o argentino Magri lhe passasse uma bola nos tempos do Sport; como se estivesse na beira da praia, no Pina, com a vitalidade dos 14 anos, perseguindo uma bola de borracha que escorregasse velozmente pela areia dura e molhada. O resto do time do Brasil estava parado, pesado, com medo. O jogo estava no fim. Ademir via o juiz, o inglês George Reader, olhando para o relógio.

Fim do sonho. No travessão

Chico pegou a bola e correu até a linha de fundo; Ademir colocou-se entre os zagueiros e viu o centro alto para a área. O pulo deixou lá embaixo os marcadores, a cabeçada era certeira, Ademir sentiu que a bola ia entrar. O goleiro Maspoli saltou, a bola passou por ele e bateu no travessão. Foi o último lance da partida. Depois, Ademir viu pouca coisa: o povo do estádio parado, como numa fotografia; Danilo numa crise de choro; alguns companheiros caídos pelo gramado. Sentiu uma vontade de fugir, de morrer, e nem sabe como chegou em casa. Ficou vinte dias longe de tudo, dos jornais, das rádios, do Vasco, exilado na ilha de Itacuruçá.

"Ademir foi o único que se salvou do desastre", disseram alguns jornais, mas ele mesmo desmente, hoje, trinta anos depois: "Eu apenas corri em campo feito um louco, sem noção do que estava fazendo. Confundiram isso com esforço consciente e me absolveram. Mas eu joguei mal". Recuperou-se, porém, e ainda em 1950 deu o bicampeonato carioca ao Vasco. Em 52, já veterano num time em decadência, ganhou novamente o título e sua carreira parou aí. Em 53, com o joelho ferido, preparou-se para o fim, mas só se convenceu disso quando o zagueiro Pavão lhe tomou aquela bola, num Vasco e Flamengo inesquecível. Mas não é com esta cena que sonha até hoje, quando as noites estão mais quentes em Copacabana e ele abre a janela e o barulho das ondas lembra o Maracanã lotado; Ademir sonha com Chico entrando pela esquerda, o centro saindo alto, da linha de fundo, o salto entre os zagueiros perplexos e o goleiro Maspoli batido. É um sonho que se repete, às vezes, até hoje, mas Ademir não o considera um pesadelo: no sonho dele, a bola entra.

Falecimento: 11/05/1996
Apelido: Queixada
Período: 1942 a 1945 e 1948 a 1956
Títulos:
  • Campeonato Sul-Americano - 1948
  • Campeonato Carioca - 1945/49/50/52
  • Octogonal Rivadávia Corrêa Meyer - 1953

FICHA:

Nome: Ademir Marques de Menezes
Data de nascimento: 8 de novembro de 1922
Local de nascimento: Recife - PE, Brasil
Altura: 176 cm
Peso: 73 kg
Posição: Atacante
Jogos pelo Vasco: 429
Gols pelo Vasco: 301

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